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sábado, fevereiro 02, 2008

Verdade ou ficção?

(Kurt Halsey)

Jorge Alberto era um rapaz trabalhador. Sempre o fora. E sensível. Diria até que os méritos alcançados em seu ofício dependiam quase que exclusivamente disso. Talvez por isto fosse conhecido por atirar-se em cada relacionamento como se respirar ou acordar no dia seguinte dependessem disso. Razão pela qual ficara tão desnorteado após a ruptura inesperada de sua última relação. Seu grande amor daquele momento resolvera ir tentar a sorte em águas estrangeiras.E com o Atlântico a separá-los ficava de fato complicado manter o romance. Decidiram romper de comum acordo.

Quer dizer, Jorge Alberto ficou com a sensação que decidiram por ele. No fundo, bem lá no fundo, naquele pedacinho escondido das entranhas que nos faz ter vontade de jogar tudo para o alto e sair correndo embaixo da chuva a gritar como gatos no cio, sua vontade era outra. Mas aprendera com o tempo, e com os vários relacionamentos anteriores que a palavra do outro tinha mais força que a sua.

Era sensível até demais, alguém diria. Tanto que optara por sufocar mais uma vez aquele eu rebelde que teimava em não deixá-lo dormir à noite. E porque entregar-se às mãos reparadoras de Morpheu era a única coisa que parecia impossível após a separação definitiva, fora atraído irremediavelmente para as noitadas regadas a campari e flertes baratos.

O negócio recém-estabelecido, montado na frente da casa onde vivia, começava a sofrer as conseqüências das noites em claro. Era fácil agora encontrar espaço na agenda lotada há poucas semanas atrás. Sua gerente-sócia-confidente sugerira que tirasse uns dias de folga. Ir ao cinema, ver o pôr-do-sol, quem sabe dar uma olhada naquele exposição maravilhosa daquele pintor recém-descoberto. Melhor ainda, comprar um carro novinho em folha, cheio de acessórios modernos, como queria há tanto tempo. Gastar sem dó nem piedade, acalentar-se. Talvez assim o coração resolvesse que era hora de partir para outra.

Mas nada resolvia. Achava até que as férias compulsórias pioraram a situação. Agora tinha mais tempo livre para chorar e revirar álbuns de fotografias dos momentos a dois. E as noitadas transformaram-se em raves intermináveis.

Até que uma madrugada, voltando para casa sabe-se lá quantos camparis depois, volante e mãos confundiram-se ao fazerem a última curva do caminho. Os pés não sabiam a diferença entre frear e acelerar e acabou por atropelar vários piquetes de ferro na calçada em frente ao hospital do exército localizado na mesma rua em que morava. Sabia que o estrago tinha sido grande pelo barulho do motor ao parar de vez. E pela fumaça que se insinuava entre os destroços do carro zero quilômetro comprado há menos de uma semana e ainda sem seguro.

Abriu a porta já em desespero quando percebeu que vários soldados o cercavam, todos munidos de fuzis e com caras de poucos amigos. A rua deserta, salvo pelos olhares curiosos e sonolentos de alguns vizinhos. Foi quando não se controlou mais. O fogo interno, aquele que mantinha aprisionado sob camadas e camadas de bom comportamento e sensibilidade, entrou em ebulição repentinamente. E Jorge Alberto explodiu. Rasgou a camisa em gesto dramático e de braços abertos e mãos espalmadas gritou valorosamente:

- MATA! MATA A BICHA! ACABA COM ELA! ACABA COM TUDO! NADA MAIS ME IMPORTA!

Dizem por aí que depois dessa Jorge Alberto se curou de vez. E que anda de namorado novo. Acho que um sargento do exército. Mas pode ser boato.