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sexta-feira, janeiro 11, 2008

As aventuras e desventuras de Florisberto, o contínuo

Capítulo 1

Meu nome de batismo é Florisberto de Jesus dos Anjos Amoroso. De verdade. Meu santo pai, que lá de cima deve estar me olhando, achou pouco o Jesus de mainha junto com o Anjos Amoroso dele e resolveu me chamar pelo nome do meu bisavô. Dizia que era para ver se eu seguia os passos do velho, que chegou a cabo do exército e aos 102 anos ainda fazia filho. Lá na roça farda era sinal de respeito. Perdi as contas da quantidade de menino e menina que chamava o velho Florisberto de padrinho.

Não sei se posso agradecer ao pai pela boa-intenção. É só por causa delas que o ditado existe. E acho que o meu caso taí pra provar. De começo, para me diferenciarem do velho Florisberto, fui chamado de Flor. Impossível explicar o que é para um meninote em pleno sertão nordestino ter de atender pela alcunha de Flor. Era batata. Quando os meninos maiores cansavam de amarrar lata no rabo dos gatos e destripar rãs, sobrava para mim. Todo dia era uma ruma de moleques gritando meu apelido na porta de casa. Mainha sempre achou que eu era o mais popular da rua. E nunca entendeu porque ao invés de atender ao chamado eu preferia sumir pelo quintal. Só eu sabia o que aqueles gritos significavam.

Nasci sem sorte mesmo. Tenho para mim até hoje que no dia em que nasci Deus tava de folga e deixou aquele lá de baixo tomando conta. Mainha dizia que era tudo culpa de um rabo-de-saia com quem meu pai tinha andado se engraçando porque ela o injeitou durante a gravidez. Que a peste da mulher tinha rogado praga na barriga dela. Toda vez que ela começava a contar a história ele resmungava que era maluquice da cabeça dela e saía andando. Mas eu juro que o vi um par de vezes se benzendo disfarçado. Pelo sim, pelo não, essa era a única história que se conhecia sobre ele. Vai ver sabia mais do que os resmungos mostravam.

Cresci no meio das galinhas e porcos que minha mãe criava. Mainha vivia ocupada entre a criação e os afazeres da casa. Talvez por isso nunca consigo lembrar dela me fazendo carinho. Talvez por isso também eu fizesse questão de andar com os pés no chão. Vivia torcendo para pegar bicho de pé. Eram as únicas vezes em que minha mãe me sentava no colo dela, afagando minha cabeça enquanto meu pai esquentava a agulha para extrair o inconveniente. E nessas horas eu caprichava no choro, só para sentir os dedos calejados e os lábios secos acariciando a minha fronte. Mariazinha dizia que é por isso que fiquei tão grudento para o lado de mulher. Falta de amor de mãe. Quer dizer, falta de amor não, que isso eu tenho certeza ela tinha, apesar da secura da voz. Foi falta de carinho mesmo. Virei um cão sarnento, abanando o rabo para a primeira que me olhar por mais de dois segundos.

Meu pai morreu antes. Eu era menino ainda. Mainha ainda se aguentou uns anos. Mas no final a danada da terçã foi mais forte. Levou os dois. Depois disso fui criado na casa de um e outro, até ficar esperto o bastante para saber que a vida podia ser mais do que aquilo que eu vivia. Lá na roça o povo até hoje diz que foi por causa de Mariazinha e aquele filho de uma égua estrupiada que apareceu por lá e a levou numa boléia de caminhão. Eu digo que não, já andava pensando em ir embora há tempos. O anel que me custou vários dias sem almoço enterrei no pátio atrás da igreja. Ali mesmo ficou meu passado e começou meu presente. Esse, que vivo hoje.